O historiador americano Robert Darnton, 73, professor de Harvard e
diretor da biblioteca da universidade, visitou, em 29 de maio, a Folha, onde participou de seminário para jornalistas da Redação.
No encontro, Darnton --que veio ao Brasil para palestra no Congresso
Internacional Cult de Jornalismo Cultural-- falou sobre o projeto de
criação de uma biblioteca digital americana, com acesso mundial e
gratuito, que deve entrar no ar em abril de 2013.
"É uma oportunidade inédita de compartilhar nossa riqueza de conhecimento."
Filho de jornalistas e graduado em Oxford, na Inglaterra, Darnton é
especialista em Iluminismo e na história do livro e da imprensa.
Entre seus trabalhos mais conhecidos estão "O Iluminismo como Negócio"
(1987) e "Os Best-Sellers Proibidos da França Pré-Revolucionária"
(1996), lançados no país pela Companhia das Letras.
Jorge Araujo/Folhapress | ||||||||||||||
Historiador e professor de Harvard, Robert Darnton, em visita à Folha de S.Paulo |
JORNALISMO IMPRESSO
Venho de uma família de jornalistas. Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão
trabalhamos no "New York Times". Meu pai morreu no Pacífico cobrindo a
Segunda Guerra. Eu não o conheci, tinha três anos.
Comecei minha carreira cobrindo crimes. Na época se dizia: "Se você
consegue cobrir assuntos policiais, pode cobrir [os da] Casa Branca".
A grande questão na vida de um repórter é como narrar uma história em
500 palavras. Ele acaba transmitindo sua experiência. Não vejo notícias
como realidade, mas como histórias sobre a realidade.
INTERNET
Nos EUA a mudança é profunda. Quase toda semana um jornal morre. A maior
parte da receita publicitária do "The New York Times", por exemplo,
vinha dos classificados. Quase todos esses anúncios migraram para o
online. Mas acho que os grandes sobreviverão. A questão é descobrir um
modelo para financiar a atividade jornalística na rede.
O trabalho do repórter também mudou. Mas continuo achando que o contato
pessoal de um repórter com sua fonte ou acontecimento faz uma diferença
enorme. Não adianta reproduzir o que está no Twitter ou nos blogs.
BIBLIOTECA DIGITAL
Quando o Google decidiu que queria digitalizar livros, procurou Harvard
primeiro, pois é a maior biblioteca universitária do mundo. O Google fez
lobby com outras universidades. E eles queriam ir adiante,
digitalizando qualquer livro, não só os de domínio público.
Criaram uma base de dados gigante, a maioria de livros cobertos por
direitos autorais. Não era um mecanismo de pesquisa, mas sim uma
biblioteca com milhões de livros. A ideia era vender acesso às obras, a
um preço que eles próprios estipulariam.
No final, o acordo foi vetado pela Justiça, que o viu como uma tentativa de monopólio.
Nesse meio tempo, convidei os dirigentes das bibliotecas para criarmos
uma biblioteca digital com milhões de livros, como o Google, mas
gratuita.
Acabamos conseguindo financiamento de fundações privadas americanas
-muitas vezes elas funcionam melhor do que o governo. Em abril entra no
ar uma enorme biblioteca digital que qualquer um no mundo poderá acessar
sem gastar um tostão. Criar essa plataforma para partilhar
conhecimento, sem empresas, está sendo a maior oportunidade da minha
vida.
Os direitos autorais são um tema sensível. Teoricamente só poderemos
disponibilizar obras anteriores a 1923, pois estas estão em domínio
público. São 2 milhões, o que não é pouco. As demais precisam ser
negociadas com os detentores dos direitos, e estamos estudando
alternativas.
AMÉRICA LATINA
Hoje os olhos dos americanos estão voltados para América do Sul e Ásia. A
nova geração está aprendendo espanhol e mandarim. Não acho que a
cultura europeia tenha se exaurido, mas os ventos são de mudança, e a
vitalidade desses dois continentes tende a ganhar mais influência.
FUTURO DO LIVRO
As pessoas dizem que os livros e as bibliotecas estão obsoletos. É
loucura: temos mais pessoas hoje nas nossas bibliotecas do que nunca. Se
o aluno tem que escrever um trabalho e fazer uma pesquisa, claro que
ele usa o Google e a Wikipedia. Mas não basta. Ele procura um
bibliotecário. Os bibliotecários desenvolveram uma nova função, que é
guiar pelo ciberespaço.
As estatísticas contrariam aqueles que dizem que o livro impresso está
acabando. Na China, a produção dobrou em dez anos. Em 2009 o planeta
atingiu uma marca histórica de 1 milhão de novos títulos impressos no
ano. Acho que os livros impressos e on-line não estão em guerra, são
suplementares.
Fonte: Folha
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