Colombiano criou biblioteca itinerante montada em cima de seus burros. O ‘Biblioburro’ leva educação a regiões empobrecidas do país.
Já transpirando sob o implacável sol, ele amarrou nas costas dos animais bolsas com a palavra “Biblioburro” pintada em letras azuis, e as encheu com uma eclética carga de livros destinados aos habitantes das pequenas vilas mais além. Suas escolhas incluíam “Anaconda”, a fábula animal do escritor uruguaio Horacio Quiroga que evoca “The Jungle Book”, de Kipling; alguns livros de fotos da Time-Life (na Escandinávia, no Japão e nas Antilhas); e o “Dicionário da Academia Real da Linguagem Espanhola”.
“Tudo começou como uma necessidade; então se tornou uma obrigação; e depois disso, um hábito”, explicou ele, olhando as montanhas se ondulando no horizonte. “Agora”, disse, “é uma instituição”.
Ao fazer isso, Soriano emergiu como o mais conhecido residente de La Gloria, uma cidade que se sente isolada dos ritmos do mundo maior. Soriano nunca saiu da Colômbia – mas se mantém dedicado a trazer a seu povo um toque do mundo externo. Seu projeto ganhou a aprovação de especialistas em alfabetização do país e é o assunto de um novo documentário de um cineasta colombiano, Carlos Rendon Zipaguata.
Poder transformador
Ele disse que a idéia surgiu após ele haver testemunhado, como jovem professor, o poder transformador da leitura entre seus pupilos, que haviam nascido em meio a conflitos ainda mais intensos do que quando ele era criança. A violência de grupos criminosos era tão ruim durante sua infância que seus pais o enviaram para viver com sua avó na cidade vizinha de Valledupar, próxima à fronteira venezuelana. Ele retornou aos 16 anos com um diploma do colegial e conseguiu um emprego ensinando leitura a crianças em idade escolar. Quando ele tinha vinte e poucos anos, a prolongada guerra interna da Colômbia havia atraído grupos paramilitares aos anárquicos pântanos e colinas ao redor de La Gloria, levando a confrontos com grupos guerrilheiros e à intimidação da população local por ambos os lados. Em meio a essa violência, que desde então tem diminuído, Soriano se aventurou com seus buros, levando consigo alguns livros escolares, volumes de enciclopédias e romances de sua pequena biblioteca particular. Em paradas ao longo do caminho, crianças ainda esperam pelo professor em grupos, para ouvi-lo ler trechos dos livros antes de pedi-los emprestados. Um avanço veio muitos anos depois, quando ele ouviu no rádio trechos de um romance, “The Ballad of Maria Abdala,” de Juan Gossaín, escritor e jornalista colombiano. Soriano escreveu uma carta ao autor, pedindo o empréstimo de uma cópia do livro para o Biblioburro.
Doações
Após Gossaín transmitir detalhes do projeto de Soriano em seu programa de rádio, houve uma avalanche de doações de livros por toda a Colômbia. Uma instituição financeira local, Cajamag, ofereceu algum financiamento para a construção de uma pequena biblioteca perto de sua casa, mas o projeto permanece inacabado por falta de fundos. Sobra pouco dinheiro para tais luxos em seu salário de professor, cerca de 350 dólares mensais. O orçamento familiar é tão apertado que ele e sua mulher, Diana, abriram um pequeno restaurante, La Cosa Politica, há dois anos para ajudar no fim do mês. Mesmo entre a clientela do restaurante, principalmente trabalhadores de fazenda e motoristas de caminhão com pouca educação formal, Soriano vê potenciais bibliófilos. Na parede sobre as mesas, ao lado de carnes grelhadas e ervas fritas, ele pendura páginas do Hoy Diario, o jornal diário da região, e transforma jantares em debates sobre eventos atuais. “Não podemos ir muito longe com a conversa política, é claro,” disse ele, se referindo à constate ameaça de retaliação por grupos paramilitares, que efetivamente derrotaram os grupos guerrilheiros nesta parte norte da Colômbia. “Aprendi que se eu despertar o interesse de apenas uma pessoa em ler um mundano item de notícia – digamos, sobre o aumento no preço do arroz –, isso já será um grande passo para frente.” Essas vitórias mantêm Soriano caminhando, apesar dos desafios que acompanham o Biblioburro. Ele fraturou a perna esquerda numa queda de um de seus burros em julho, ficando um pouco manco. E alguns de seus leitores gostam tanto dos livros emprestados que acabam não os devolvendo.
Paulo Coelho, o favorito
Dois livros que desapareceram há não muito tempo: um manual educacional ilustrado sobre sexo, e uma cópia de “Como Água para Chocolate”, romance da escritora mexicana Laura Esquivel sobre comida e amor numa tradicional família mexicana. E há perigos inerentes ao se aventurar nas terras que circundam La Gloria. Há dois anos, disse Soriano, ladrões o surpreenderam no cruzamento de um rio, descobriram que ele não carregava quase nenhum dinheiro e o amarraram a uma árvore. Roubaram um item de sua bolsa de livros: “Brida”, a história de uma garota irlandesa e sua busca por conhecimento, do romancista Paulo Coelho. “Por alguma razão, Paulo Coelho está no topo da lista de favoritos de todo mundo”, disse Soriano, escondendo um riso sob a sombra de seu sombrero vueltiao, o elaborado chapéu trançado popular no interior da Colômbia. Numa viagem neste mês pelas irregulares montanhas, onde cerca de 300 pessoas emprestam regularmente seus livros, ele relembrou uma visita à Biblioteca Nacional na capital, Bogotá, onde ficou impressionado com a imensa coleção do edifício e sua arquitetura Art Deco. “Me senti tão medíocre em Bogotá”, disse Sorano. “Meu lugar é aqui.” Por vezes, nas remotas paisagens pontilhadas por árvores guayacán, era duro dizer quem estava no comando, homem ou animal. Numa ocasião, Soriano perdeu sua paciência, tentando persuadir seus teimosos burros a atravessar um riacho. Ainda assim, fica muito claro por que Soriano faz o que faz. Na vila de El Brasil, Ingrid Ospina, 18 anos, folheava uma cópia de “Margarita”, o clássico livro de poesia de Rubén Darío da Nicarágua, quando começou a ler em voz alta. Ela foi além de onde estão os céus e disse à lua, au revoir. Que travessa ter voado tão longe sem a permissão de Papai.“Isso é tão lindo, professor”, disse Ospina. “Quando você volta?”
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